O diagnóstico preciso da malformação uterina por um especialista e um plano de cuidado individualizado podem aumentar suas chances de uma gestação saudável, mesmo após perdas recorrentes.
A jornada para a maternidade pode ser repleta de desafios, e enfrentar perdas gestacionais recorrentes ou o risco de um parto prematuro é uma experiência emocionalmente delicada. Para muitas mulheres, a causa pode estar em uma condição silenciosa: as malformações uterinas, também conhecidas como anomalias müllerianas [1].
Como Obstetra especialista em perdas gestacionais e gestação de alto risco, compreendo a angústia e a busca por respostas que acompanham esse cenário. A boa notícia é que a Obstetrícia Moderna evoluiu imensamente, oferecendo diagnóstico preciso e estratégias de cuidado que podem mudar o prognóstico. A chave está em uma avaliação que une a experiência clínica a uma ultrassonografia de alta qualidade, garantindo a segurança e o acolhimento que você merece.
O que são malformações müllerianas e por que são importantes?
Malformações müllerianas são anomalias na formação do útero que ocorrem durante o desenvolvimento embrionário [1]. Embora presentes em apenas 2-3% da população geral, sua prevalência dispara para até 24,5% em mulheres com histórico de aborto de repetição [1, 2].
O aborto de repetição, definido pela perda de duas ou mais gestações, é uma realidade para até 5% dos casais e exige uma investigação aprofundada para que um plano de cuidado eficaz seja traçado [3, 4].
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Quais os principais tipos de malformações uterinas?
A American Society for Reproductive Medicine (ASRM) atualizou em 2021 a classificação dessas anomalias, ajudando os especialistas a definirem o melhor caminho [5, 6]. As mais associadas a complicações na gravidez são:
- Útero Septado: É a anomalia mais comum. Um septo (uma parede de tecido) divide a cavidade uterina, o que pode dificultar a implantação do embrião e o desenvolvimento da gestação [8, 9].
- Útero Bicorno: Resulta de uma fusão incompleta, criando um útero com formato semelhante a um coração. Está claramente associado a maiores taxas de parto prematuro [11, 12].
- Útero Didelfo: Uma condição mais rara onde há uma duplicação completa do útero e do colo uterino, representando um desafio para a manutenção da gravidez [13].

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Qual a real ligação entre o útero septado e o aborto de repetição?
O útero septado é a malformação mais associada às perdas gestacionais. O septo, por ser um tecido com pouca vascularização, não oferece o ambiente ideal para a implantação e nutrição do embrião [10].
Os dados são impactantes:
- Meta-análises mostram que mulheres com útero septado têm menores taxas de gravidez (OR=0.45) e de nascidos vivos em comparação com mulheres com útero normal [17].
- Estudos mais antigos, antes das técnicas cirúrgicas modernas, relatavam taxas de aborto de até 94,4% em mulheres com essa condição [16]. A maioria das perdas ocorre no primeiro trimestre, sugerindo uma falha na fase inicial de fixação do embrião [10].
As malformações uterinas aumentam o risco de parto prematuro?
Sim, de forma significativa. A alteração na arquitetura uterina pode levar a contrações precoces e à incapacidade do útero de se expandir adequadamente.
- Mulheres com útero unicorno, bicorno ou didelfo apresentam um risco 6,8 vezes maior de parto prematuro em comparação com a população geral [14].
- No caso do útero bicorno, o risco de parto prematuro pode aumentar em até 500% [12], com estudos mostrando taxas de prematuridade de até 59,3% [13].
- Mesmo o útero septado, mais ligado ao aborto precoce, também eleva as taxas de parto prematuro para mais de 17% [13].
Como é feito o diagnóstico preciso? A importância do especialista.
O diagnóstico correto é o pilar para qualquer decisão terapêutica. Hoje, o padrão-ouro para o diagnóstico é a ultrassonografia transvaginal 3D [3, 21]. Este exame, quando realizado por um médico experiente, permite uma visualização detalhada da cavidade e do contorno uterino, diferenciando com precisão um útero septado de um bicorno, o que é fundamental para definir a conduta.
É aqui que a Obstetrícia moderna se destaca: ter um Obstetra que também é um ultrassonografista fetal e de alto risco, que realiza o exame na própria consulta, permite uma análise integrada e imediata. Essa capacidade de avaliar a anatomia materna e a saúde fetal simultaneamente é um diferencial imenso para a segurança do cuidado.

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A cirurgia para corrigir o útero septado (metroplastia) é sempre indicada?
A cirurgia para correção do septo uterino (metroplastia) é a área mais controversa e onde a individualização e o diálogo entre médico e paciente são essenciais.
- A Controvérsia: O único estudo randomizado de grande impacto, o estudo TRUST (2021), não encontrou diferença significativa na taxa de nascidos vivos entre mulheres que operaram e as que não operaram o septo [23]. Sociedades como a europeia (ESHRE) e a inglesa (RCOG) baseiam-se nesse estudo para não recomendar a cirurgia de forma rotineira [3, 18].
- A Evidência a Favor: Por outro lado, diversas meta-análises de estudos observacionais mostram um benefício claro. Uma revisão de 2022 demonstrou que a metroplastia reduziu o risco de aborto (OR=0.45) [17]. A FEBRASGO (Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia) recomenda a cirurgia para pacientes com perdas gestacionais recorrentes, relatando uma redução na taxa de aborto de 91,8% para 10,4% [20].
A decisão de operar deve ser sua, tomada em conjunto com seu médico, após uma análise profunda do seu caso. Um especialista saberá ponderar as diferentes evidências científicas e aplicá-las à sua situação, respeitando sempre sua autonomia.
Se não operar, o que pode ser feito para prevenir o parto prematuro?
Felizmente, existem estratégias eficazes para a prevenção do parto prematuro em mulheres com malformações uterinas:
- Vigilância Ultrassonográfica do Colo Uterino: O acompanhamento seriado do comprimento do colo do útero entre 19 e 23 semanas é fundamental para identificar precocemente o risco [30].
- Progesterona Vaginal: Para mulheres com colo uterino curto (≤25mm), o uso de progesterona vaginal demonstrou reduzir em até 50% a taxa de parto prematuro antes de 34 semanas, além de diminuir a morbidade neonatal [27, 28].
- Cerclagem Cervical: Em casos muito selecionados, a cerclagem (uma “costura” para reforçar o colo do útero) pode ser considerada, mas sua indicação deve ser criteriosa [29, 30].
Um caminho de esperança e cuidado especializado
Lidar com malformações uterinas e suas consequências requer mais do que conhecimento técnico; exige sensibilidade, acolhimento e um plano de cuidado para gestação de alto risco que seja verdadeiramente personalizado. A medicina baseada em evidências nos mostra que, embora existam controvérsias, há caminhos seguros para aumentar drasticamente as chances de sucesso.
Uma avaliação detalhada com um especialista em gestação de alto risco e perdas recorrentes em São Paulo, que integra o cuidado clínico e a ultrassonografia avançada, é o primeiro passo para traçar um plano seguro e acolhedor para a sua gestação. Se você enfrenta esses desafios, agende uma consulta para uma avaliação completa e individualizada.
Referências Bibliográficas
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