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Cerclagem do Colo Uterino: Um Guia Atualizado para a Gestante com Insuficiência Istmocervical
Imagem meramente ilustrativa (Banco de imagens: Shutterstock)

Entenda as indicações precisas, técnicas e resultados da cerclagem cervical na prevenção da prematuridade

Receber o diagnóstico de um colo uterino curto ou de uma insuficiência istmocervical pode gerar enorme ansiedade e incerteza. Muitas de minhas pacientes chegam ao consultório com um histórico de perdas gestacionais ou com o medo iminente de um parto prematuro. Felizmente, a cerclagem do colo uterino surge como uma das intervenções mais importantes e eficazes na obstetrícia moderna para proteger a gestação. Como especialista que lidera o ambulatório de prevenção do parto pré-termo na UNIFESP, meu objetivo com este artigo é esclarecer, com base nas mais sólidas evidências científicas, como e quando este procedimento pode ser o passo decisivo para o sucesso da sua gravidez.

A chamada insuficiência istmocervical, popularmente conhecida como “colo do útero fraco”, é responsável por uma parcela significativa dos partos prematuros espontâneos, afetando cerca de 1 em cada 100 gestações. O diagnóstico preciso e a indicação correta da cerclagem do colo uterino podem aumentar drasticamente as chances de levar a gravidez a termo, com taxas de sucesso superiores a 85-90% quando o procedimento é bem indicado e, principalmente, bem realizado.

O que é Cerclagem do Colo Uterino e Quando é Necessária?

As indicações para a cerclagem são bem estabelecidas e divididas em três categorias principais, baseadas em evidências científicas robustas:

  1. Cerclagem por Antecedente Obstétrico (ou Eletiva)

É recomendada para gestantes com um histórico clássico de insuficiência istmocervical, que inclui:

  • Perda gestacional recorrente no segundo trimestre, caracterizada por uma dilatação cervical com pouca ou nenhuma dor.
  • História de uma cerclagem anterior realizada pela mesma razão.

Nesses casos, a cerclagem é planejada e realizada de forma preventiva, geralmente entre 12 e 14 semanas, independentemente da medida do colo na gestação atual.

  1. Cerclagem Indicada por Ultrassom

Indicada em gestações únicas para mulheres que apresentam um colo uterino curto (≤ 25mm) no ultrassom, associado a pelo menos um dos seguintes fatores de risco:

  • Histórico de parto prematuro anterior (antes de 34 semanas).
  • Malformação uterina (ex: útero bicorno, septado).
  • Cirurgia prévia no colo do útero, como conização ou CAF.
  • Medida do colo uterino ≤ 10mm, mesmo sem outros fatores de risco. Em um estudo de referência (Berghella et al., 2017), a cerclagem do colo uterino em mulheres com colo ≤10mm foi capaz de reduzir o risco de parto antes de 35 semanas em cerca de 32%, uma diminuição muito significativa.
  1. Cerclagem de Urgência (ou de Resgate)

Também conhecida como rescue cerclage, é realizada em uma situação emergencial quando o exame físico já detecta uma dilatação do colo uterino (geralmente entre 2-4 cm) no segundo trimestre, na ausência de contrações regulares ou infecção. Embora mais delicada, seus resultados são notáveis. Um estudo recente (Hulshoff et al., 2023) mostrou que a cerclagem de urgência aumentou o tempo de gestação em mais de 5 semanas e elevou a taxa de sobrevivência fetal de 35,5% para 73,0%.

A Cerclagem é Eficaz em Gestações Gemelares?

A indicação de cerclagem do colo uterino em gestações gemelares é um tema controverso. A maioria das sociedades médicas internacionais não a recomenda de forma rotineira apenas pela presença de um colo curto.

Entretanto, evidências recentes e o consenso de especialistas, como a recomendação da SOGESP (Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo), sugerem que a cerclagem pode, sim, ser benéfica em casos selecionados de gêmeos com colo uterino muito curto (≤15mm). Como alternativa, o uso de progesterona vaginal tem se mostrado eficaz para reduzir o risco de prematuridade em gemelares com colo curto. Você pode ler mais sobre os desafios e cuidados específicos no artigo sobre parto prematuro em gestação de gêmeos.

Quais são as Técnicas Cirúrgicas Utilizadas?

Existem, fundamentalmente, duas técnicas de cerclagem por via vaginal, a de McDonald e a de Shirodkar. A escolha depende da anatomia do colo e da experiência do cirurgião, mas o objetivo é o mesmo: criar um reforço estrutural para manter o colo fechado.

  • Técnica McDonald: É o método mais comum. Uma sutura é passada ao redor do colo como se fosse uma “bolsa de tabaco”. A realização de uma sutura dupla tem se mostrado mais eficaz. É um procedimento que exige grande experiência para que o ponto seja posicionado o mais alto possível, garantindo máxima eficácia. O uso da ultrassonografia transvaginal durante o procedimento vem revolucionando a técnica, principalmente em cerclagens de urgência.
  • Técnica Shirodkar: É uma técnica de maior complexidade, que envolve uma pequena dissecção da bexiga para posicionar o ponto ainda mais acima. É indicada para casos de colo muito curto, onde a técnica de McDonald não é viável.
  • Cerclagem Transabdominal: Realizada por cirurgia (laparoscopia ou aberta), é um procedimento de exceção. É reservada para raríssimos casos, como ausência de colo uterino ou falhas múltiplas de cerclagens vaginais bem executadas. Apresenta riscos maiores e deve ser limitada a centros de pesquisa com profissionais de extrema experiência.

Quando Combinar Cerclagem com Progesterona?

A associação de cerclagem do colo uterino + progesterona vaginal tem mostrado resultados excelentes, superando as terapias isoladas, especialmente nos casos de cerclagem de urgência ou indicada pelo ultrassom. Uma meta-análise recente (Aubin et al., 2023) demonstrou que a terapia combinada foi capaz de:

  • Reduzir em 55% o risco de parto antes de 37 semanas.
  • Reduzir em 50% o risco de parto antes de 34 semanas.
  • Reduzir em 44% o risco de parto antes de 32 semanas.

Quais são os Riscos e Complicações da Cerclagem?

Em mãos experientes, a cerclagem do colo uterino é um procedimento seguro. As complicações são raras e variam conforme a indicação (eletiva vs. urgência). Incluem sangramento, ruptura de membranas ou infecção, mas ocorrem em uma pequena porcentagem dos casos. Em minha prática de 20 anos, e com a realização de centenas de cerclagens nos principais hospitais de São Paulo, como o Hospital Albert Einstein, Maternidade Star São Luiz e Maternidade Pro Matre Paulista, observamos que com a indicação precisa e a técnica cirúrgica apurada, as complicações são eventos raros. A segurança da mãe e do bebê é sempre a prioridade absoluta.

Apesar dos possíveis efeitos colaterais, a possibilidade do uso de corticoide para amadurecimento do pulmão do bebê é cuidadosamente avaliada pela equipe médica, considerando os riscos e benefícios para cada caso.

O acompanhamento constante e o monitoramento após a aplicação ajudam a minimizar os impactos negativos para a mãe e o bebê.

Como é o Acompanhamento Pós-Cerclagem?

O seguimento é crucial e requer monitorização especializada.

  • Acompanhamento Imediato: Realizamos um ultrassom logo após o procedimento e uma semana depois para garantir que as membranas não estão se projetando através do colo uterino.
  • Acompanhamento Subsequente: O controle do comprimento do colo por ultrassom continua, junto com a monitorização de sinais de contração ou infecção.
  • Remoção da Cerclagem: O fio da sutura é removido de forma simples no consultório por volta da 37ª semana de gestação, ou antes, caso a paciente entre em trabalho de parto ou apresente ruptura da bolsa.

Qual o Impacto de Procedimentos Cervicais Prévios (Conização, CAF)?

Mulheres que passaram por procedimentos como conização ou CAF para tratar lesões por HPV têm um risco aumentado de parto prematuro. Quanto mais profundo o tecido retirado, maior o risco. A avaliação seriada do comprimento do colo nessas mulheres é fundamental para decidir sobre a necessidade de intervenção, seja com progesterona ou cerclagem.

Algoritmo de Conduta: Meu Roteiro de Decisão

A decisão pela cerclagem do colo uterino é sempre individualizada, mas segue um roteiro lógico baseado em evidências:

  1. Análise do Histórico Clínico: A paciente já teve perdas no 2º trimestre ou um parto prematuro anterior?
    • SIM (com características de IIC): Cerclagem por Antecedente (Eletiva), realizada entre 12-14 semanas.
  2. Antecedente de Parto Prematuro – Realizar ultrassonografia do colo a partir de 14 semanas a cada 2 semanas?
  3. Sem Antecedente de Parto Prematuro: Como está a medida do colo do útero entre 18-24 semanas?
    • Colo > 25mm: Acompanhamento de rotina.
    • Colo 10 a 25mm: Pessário + Progesterona
    • Colo ≤ 10mm: Cerclagem + Progesterona
  4. Achado no Exame Físico: O colo do útero já está dilatado?
    • SIM (com dilatação, mas sem trabalho de parto ativo): Avaliação imediata para uma Cerclagem de Urgência (Resgate).

A Importância da Avaliação Individualizada e da Experiência

O primeiro passo para uma mulher que recebe a indicação de uma cerclagem do colo uterino deve ser o acolhimento. Ouvir as angústias e tirar cada dúvida antes do procedimento é essencial. A mulher deve estar segura da precisa indicação, baseada nas melhores evidências científicas, e também da capacitação técnica do profissional. A cerclagem é um dos procedimentos que mais dependem da experiência do cirurgião, principalmente as de emergência.

A tomada de decisão compartilhada, aliando as melhores evidências científicas à experiência clínica, representa o padrão-ouro da obstetrícia moderna. Cada caso é único e merece uma abordagem personalizada.

A equipe do Prof. Alan Hatanaka está aguardando seu contato para iniciar a jornada de uma gravidez saudável e segura. Agende sua consulta.

Referências Bibliográficas

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