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Corticoide na Gestação Pode Causar Autismo? Sim, Se Mal Utilizado
Imagem meramente ilustrativa (Banco de imagens: Shutterstock)

O corticóide é uma das medicações que mais melhora o prognóstico de um bebê que nasce prematuro, mas o uso inadequado traz sim riscos ao bebê, inclusive o aumento do risco de transtorno do espectro autista

Recomendar o uso de corticoide na gestação para mulheres em risco de parto prematuro é, sem dúvida, um dos momentos mais delicados e importantes na jornada de uma gestação de alto risco. Como especialista em Medicina Fetal e coordenador do setor de Prevenção do Parto Pré-termo da UNIFESP, compreendo perfeitamente a avalanche de dúvidas e preocupações que essa decisão acarreta.

Por isso, elaborei este guia para oferecer clareza. Aqui, vamos mergulhar nas evidências científicas mais robustas para que você entenda exatamente o que é essa terapia, por que ela é tão transformadora e quando sua indicação é crucial. Principalmente, analisaremos quais são os benefícios e riscos envolvidos. O objetivo é transformar a incerteza em conhecimento, permitindo uma decisão segura e compartilhada.

O que é o Corticoide Antenatal e Como Ele Age?

Os corticoides antenatais são versões sintéticas de hormônios que o nosso corpo produz naturalmente. Na gestação, utilizamos principalmente a betametasona e a dexametasona. Essas medicações possuem a capacidade única de atravessar a placenta e funcionar como um verdadeiro “acelerador biológico” para o feto.

Seu principal mecanismo de ação é, de fato, estimular os pulmões do bebê a produzir surfactante. Esta é uma substância vital que impede o colapso dos alvéolos (pequenas bolsas de ar) após o nascimento, garantindo que o bebê consiga respirar adequadamente.

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A Indicação Clássica: Prevenindo Complicações no Parto Prematuro

A principal razão para o uso de corticoide na gestação é o risco iminente de parto prematuro. A literatura médica é vasta e de alta qualidade nesse quesito. Uma revisão Cochrane de 2020, que analisou 27 estudos com mais de 11 mil mulheres, confirmou com evidências indiscutíveis que a terapia reduz significativamente os riscos de morte perinatal e neonatal, além da síndrome do desconforto respiratório [1].

Portanto, a indicação clássica, onde os benefícios superam amplamente os riscos, é:

  • Ameaça de parto prematuro entre 24 semanas e 33 semanas e 6 dias.

O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG) recomenda um curso único de corticoides para gestantes nesta faixa de idade gestacional que apresentam risco de dar à luz nos próximos 7 dias [2].

Mais que Pulmões: Os Benefícios Multissistêmicos dos Corticoides

Embora o foco principal seja o amadurecimento pulmonar, os efeitos positivos da corticoterapia se estendem a outros sistemas vitais do feto. De fato, a mesma revisão Cochrane (2020) demonstrou, com alta certeza, uma impressionante redução em múltiplos desfechos negativos [1]:

  • Redução do Desconforto Respiratório: Diminuição de 29% na síndrome do desconforto respiratório.
  • Proteção Neurológica: Redução de 42% no risco de hemorragia intraventricular (sangramento cerebral).
  • Redução da Mortalidade: Diminuição de 22% na morte neonatal e 15% na morte perinatal.
  • Proteção Gastrointestinal: Redução de 54% no risco de enterocolite necrosante, uma grave complicação intestinal dos prematuros.
  • Melhora no Desenvolvimento a Longo Prazo: Redução de 49% no risco de atraso do desenvolvimento infantil (evidência de certeza moderada).

Como professor na UNIFESP, sempre enfatizo que prever qual paciente se beneficiará da terapia exige imensa experiência. Além disso, é crucial aliar essa vivência a ferramentas precisas como a ultrassonografia transvaginal e testes bioquímicos como o PartoSure® (PAMG-1).

Dr. Alan Hatanaka

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O Corticoide Deve Ser Usado de Rotina? A Resposta é Categórica: NÃO!

A administração de corticoide na gestação não é um procedimento de rotina e deve ser uma decisão extremamente criteriosa. Estudos mostram que cerca de metade das mulheres que recebem a medicação acabam tendo o parto a termo, sendo expostas desnecessariamente à terapia [7].

A indicação é clara na iminência de parto antes de 34 semanas. É fundamental entender que “iminência” não significa apenas ter um fator de risco (como gestação gemelar ou colo curto), mas sim uma alta probabilidade de nascimento em um curto período.

Efeitos Colaterais: O Que a Mãe e o Bebê Podem Sentir?

Para a Gestante O perfil de segurança para a mãe é geralmente favorável. A evidência de certeza moderada mostra pouco ou nenhum aumento no risco de morte materna ou infecções como corioamnionite [1]. Os efeitos potenciais são, na maioria das vezes, transitórios:

  • Hiperglicemia: Especialmente em gestantes com diabetes, exigindo monitoramento.
  • Alterações de humor, insônia ou hipertensão temporária.

Para o Bebê: A Questão Mais Complexa Aqui, a ciência tem evoluído rapidamente, trazendo alertas importantes sobre o uso indiscriminado.

  • O Lado Positivo: Uma meta-análise de 2022 (JAMA Pediatrics) confirmou que, para bebês prematuros extremos, o corticoide reduz o risco de comprometimento do neurodesenvolvimento [3].
  • O Alerta: No entanto, o mesmo estudo revelou um ponto crucial. Para crianças cujas mães receberam o corticoide, mas acabaram nascendo com mais de 34 semanas, a exposição foi associada a um risco maior de desfechos neurocognitivos e psicológicos adversos [3].

Um estudo dinamarquês mais recente também mostrou associações preocupantes com transtornos do espectro autista e TDAH [4]. Contudo, é fundamental analisar esses dados com rigor. Como detalhado no estudo, ao isolar os casos em que a indicação foi precisa e intra-hospitalar (levando a um parto prematuro real), esse risco aumentado não foi observado. Isso reforça uma mensagem central: o benefício do corticoide na gestação para o bebê que de fato nasce prematuro é robusto e comprovado.

O Dilema do Corticoide no Prematuro Tardio (34 a 37 semanas)

Esta é, hoje, a área mais controversa e que exige maior expertise. As diretrizes das sociedades médicas mundiais divergem, refletindo a complexidade da decisão.

O Que Diz o Principal Estudo (ALPS)? Benefícios vs. Riscos O estudo ALPS, publicado no NEJM, é o nosso grande marco para essa faixa gestacional [5]. Ele mostrou:

  • Benefícios Respiratórios Comprovados: Redução de 33% na morbidade respiratória grave.
  • Riscos Identificados: Aumento de 60% no risco de hipoglicemia neonatal (baixo açúcar no sangue do bebê).

Meta-análises recentes confirmam essa balança: o corticoide ajuda o pulmão, mas aumenta o risco de o bebê ter hipoglicemia [6].

Como as Sociedades Médicas se Posicionam?

Abaixo, um resumo das recomendações das principais sociedades médicas, que ilustra a falta de consenso e a necessidade de individualização.

Sociedade 34 a 34 sem e 6 dias 35 a 36 sem 6 dias
ACOG, 2020 (EUA) [2] Recomendado Recomendado
SMFM, 2021 (EUA) [10] Recomendado Recomendado
FIGO, 2021 (Global) [11] Não oferecer rotineiramente Não oferecer rotineiramente
RCOG, 2022 (Reino Unido) [12] Recomendado, avaliando riscos Cautela pela hipoglicemia
Consenso Europeu, 2023 Apenas em alguns casos Apenas em Estudos Clínicos
SOGC, 2023 (Canadá) Considerar Risco-Benefício Considerar Risco-Benefício

 

Minha Abordagem Clínica: Como Decidir de Forma Segura

Como especialista focado em medicina baseada em evidências, a decisão sobre o uso do corticoide na gestação, especialmente no período prematuro tardio, segue uma estratificação rigorosa de risco-benefício.

Considero a terapia quando:

  • A idade gestacional está abaixo de 34 semanas;
  • A probabilidade de nascimento em 7 dias é muito elevada;
  • A gestante não tem diabetes descontrolada;
  • A instituição tem capacidade de monitorar rigorosamente a glicemia do bebê;
  • A família foi completamente informada sobre riscos e benefícios;
  • Entre 34 e 35 semanas e 6 dias, considero apenas na certeza de nascimento em 48 a 72 horas;
  • Entre 36 e 36 semanas e 6 dias, a decisão é ainda mais individualizada.

A decisão final é sempre personalizada e exige experiência e profundo conhecimento.

Dr. Alan Hatanaka

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Reflexões Finais: A Ciência e a Arte de Cuidar

Sem dúvida, a terapia com corticoides é uma das maiores vitórias da medicina perinatal. Quando bem indicada, ela salva vidas. No entanto, a ciência moderna nos chama à cautela.

Meu papel, como professor e médico, vai além de apenas aplicar protocolos. Consiste em traduzir essa ciência complexa em uma linguagem que acolha, empodere e permita que cada gestante participe ativamente das decisões. A excelência em Medicina Fetal está em humanizar decisões difíceis, construindo juntos o melhor caminho para um final feliz.

Uma Decisão Compartilhada para uma Gravidez Segura

A análise sobre o uso de corticoide na gestação é complexa e não deve ser feita com base em informações genéricas. Cada gestação é única. Se você enfrenta o risco de um parto prematuro e busca uma condução segura, o primeiro passo é uma avaliação individualizada.

Dr. Alan Hatanaka

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Se você quer saber mais sobre corticoide na gestação e outras questões relacionadas ao desenvolvimento do bebê e partos prematuros, entre em contato com o Prof. Dr. Alan Hatanaka.

Referências Bibliográficas

  1. McGoldrick E, Stewart F, Parker R, Dalziel SR. Antenatal corticosteroids for accelerating fetal lung maturation for women at risk of preterm birth. Cochrane Database Syst Rev. 2020;12(12):CD004454. doi:10.1002/14651858.CD004454.pub4
  2. Committee on Obstetric Practice. Committee Opinion No. 713: Antenatal Corticosteroid Therapy for Fetal Maturation. Obstet Gynecol. 2017;130(2):e102-e109. doi:10.1097/AOG.0000000000002237 (Reafirmado em 2020)
  3. Ninan K, Liyanage SK, Murphy KE, Asztalos EV, McDonald SD. Evaluation of Long-term Outcomes Associated With Preterm Exposure to Antenatal Corticosteroids: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA Pediatr. 2022;176(6):e220483. doi:10.1001/jamapediatrics.2022.0483
  4. Laugesen K, Skajaa N, Petersen I, et al. Mental Disorders Among Offspring Prenatally Exposed to Systemic Glucocorticoids. JAMA Netw Open. 2025;8(1):e2453245. doi:10.1001/jamanetworkopen.2024.53245
  5. Gyamfi-Bannerman C, Thom EA, Blackwell SC, et al. Antenatal Betamethasone for Women at Risk for Late Preterm Delivery. N Engl J Med. 2016;374(14):1311-1320. doi:10.1056/NEJMoa1516783
  6. Deshmukh M, Patole S. Antenatal corticosteroids for impending late preterm (34-36+6 weeks) deliveries-A systematic review and meta-analysis of RCTs. PLoS One. 2021;16(3):e0248774. doi:10.1371/journal.pone.0248774
  7. Ninan K, Gojic A, Wang Y, Asztalos EV, Beltempo M, Murphy KE, et al. The proportions of term or late preterm births after exposure to early antenatal corticosteroids, and outcomes: systematic review and meta-analysis of 1.6 million infants. BMJ. 2023;382:e076035. doi:10.1136/bmj-2023-076035
  8. Murphy KE, Willan AR, Hannah ME, et al. Effect of antenatal corticosteroids on fetal growth and gestational age at birth. Obstet Gynecol. 2012;119(5):917-923. doi:10.1097/AOG.0b013e31825189b6
  9. Gyamfi-Bannerman C, Asztalos EV, Badell ML, Bickus M, Blackwell SC, Chauhan SP, et al. Neurodevelopmental Outcomes After Late Preterm Antenatal Corticosteroids: The ALPS Follow-Up Study. JAMA. 2024;331(19):1647-1656. doi:10.1001/jama.2024.4402
  10. Society for Maternal-Fetal Medicine (SMFM), Gyamfi-Bannerman C. Society for Maternal-Fetal Medicine (SMFM) Consult Series #58: Use of antenatal corticosteroids for individuals at risk for late preterm delivery. Am J Obstet Gynecol. 2021;225(4):B31-B36. doi:10.1016/j.ajog.2021.07.019
  11. Norman J, Shennan A, Jacobsson B, Stock SJ. FIGO good practice recommendations on the use of prenatal corticosteroids to improve outcomes and minimize harm in babies born preterm. Int J Gynaecol Obstet. 2021;155(1):26-30. doi:10.1002/ijgo.13836
  12. Royal College of Obstetricians and Gynaecologists. Antenatal Corticosteroids to Reduce Neonatal Morbidity and Mortality. Green-top Guideline No. 7. London: RCOG; 2022.
  13. Usuda H, Fee EL, Carter S, et al. Low-dose antenatal betamethasone treatment achieves preterm lung maturation equivalent to that of the World Health Organization dexamethasone regimen but with reduced endocrine disruption in a sheep model of pregnancy. Am J Obstet Gynecol. 2022;227(6):903.e1-903.e16. doi:10.1016/j.ajog.2022.06.058
  14. Schmidt AF, Kemp MW, Kannan PS, et al. Antenatal dexamethasone vs. betamethasone dosing for lung maturation in fetal sheep. Pediatr Res. 2017;81(3):496-503. doi:10.1038/pr.2016.249